quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

meu dezembro

Dezembro quase já foi. Ele veio apressado, correndo, só de passagem, mas com um gostinho docinho de fruta fresca de verão, clima de inverno ameno, cheiro de outono e beleza de primavera. Talvez dezembro seja um ano inteirinho, que pode ser dividido nas quatro estações. Desconbri! Aí está a magia desses 31 dias. Eles passam rápido com uma sensação de renovação que dá uma vontade de que logo volte a existir.
Dezembro passa e nem dá vontade de congelá-lo, quero mantê-lo livre, para que a sensação de pegar em suas mãos e andar nas nuvens seja eterna. Vai dezembro, voa...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Para ninguém

Querido,
que falta tens me feito, mas quase não tenho tido tempo de olhar nem no espelho, imagine para aqueles nossos encontros que faziam me perder no fundo dos teus olhos. Tempo é relativo e a gente encontra-o sempre que quer. É, eu sei. São só desculpas para permanecer afogada na minha razão, sem me entregar mais uma vez aquele meu lado obscuro e secreto, que se incentivado torna-se profundamente sentimentalista.
Tenho necessidades profundas de correr para longe de ti, não para que me sigas. É para respirar ares diferentes, pois teu mundo me vicia. Tens um gostinho tão doce. Talvez disso você não saiba, pois a única coisa que consigo te demonstrar é minha constante fuga, meu lado calculista e a minha frieza. Entenda, querido, teu charme me deixa um pouco afoita e tua inteligência me entorpece. Pareço uma garotinha mimada ao teu lado, ao menos é o que as pessoas devem pensar. Só que dentro de mim, sinto completamente o contrário, pareço uma mulher nascendo. Talvez seja só uma visão distorcida da realidade, aquela história de apenas vermos o que desejamos. E desejo muito estar contigo.
Queria me desculpar pelas falhas, pelas loucuras que cometi e pela constante ausência. Precisava de um tempo sozinha para quebrar antigos laços, não com alguém, mas com o meu passado. Não tens culpa, nem precisa dizer nada. Fui unicamente culpada por ter me fechado no meu mundo. Profundamente desejo que ainda estejas me esperando de alguma maneira, para que possa mostrar o meu lado bom. É eu tenho um lado bom, pode acreditar.
O mês está quase acabando. Belém já tem um cheirinho de dezembro, talvez você nem possa perceber. Mas, eu consigo bem sentir o cheiro úmido e esperançoso que dezembro tem. Quiçá ainda ouça um dia a tua voz grave e melodiosa, se lembrares nessa final de ano do meu dia.  Na  quinta-feira,30, ficarei ansiosa, mil vezes olhando para o celular, mas talvez tu não ligues, provavelmente nem é importante lembrar. Entretanto, ainda existirá a minha esperança.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

E lá se vai mais um ano


2010 não foi fácil. Não é por capricho meu, juro. Foi um ano de inúmeras inspirações, mas também cheio de marcas, mágoas e dores. Foram tantas despedidas sem adeus que deixaram meu mundo completamente de cabeça para baixo. Pessoas importantes que passaram a não me completar por escolhas minhas, por outras opções e também aquela gente cheia de graça que foi embora sem chance alguma de volta. Perdas incontáveis, que deixaram alguns nós na garganta, outros nas fitinhas de Nossa Senhora de Nazaré e tantos outros mil na minha cabeça. 
Não pense que meu ano foi um terror também. Não é bem assim. Conheci pessoas que mudaram minha visão de mundo, conquistei amizades a distância e amores virtuais. Apaixonei-me perdidamente, com direito a uma viagem enlouquecida, cheia de ternura e que me amadureceu como nenhuma outra. Comecei a escrever um romance, que digo não ter nada a ver comigo, no entanto, venho fazendo o papel da personagem principal minha vida inteira. Fiquei ainda mais cúmplice da minha pequena irmã e deixei que as antigas amigas firmassem o imortal laço de irmandade.
O ano quase já foi embora, ainda restam alguns "diazinhos" para ir vivendo. Novembro, que imaginei ser um mês completamente sem atitudes, foi meu divisor de águas. Fez minha vida andar, sem pensar em nada. Mas, confesso que essa possibilidade de quase dezembro provoca em mim um sentimento mágico. Meus balões enchem de gás hélio, vento e cores, me levando para novos sonhos.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Todas as segundas


Nem sempre os dias são alegres. Parece que algumas vezes o que estava lindo começa a desandar. Não que tenha feito alguma coisa de errado, simplesmente não acerta. Sabe como é? Você só acordou porque o sol invadiu o quarto e não deixou mais você dormir. Quando se der conta do horário, dará um pulo desesperado da cama, por saber que tinha uma reunião urgente com aquele cliente importante às 9h da manhã. Estáará atrasado, será inevitável. Tentará ligar para o escritório, para que alguém substitua você, mas o celular não funcionará. O carro não pegará e o ônibus demorará a passar. Que terça-feira de merda. Daí você lembrará, a semana começou com um feriado e a segunda tem que passar a praga a adiante e infernizar sua vida numa terça ensolarada. Ah, já ia esquecendo. Tava sol, né? Mas depois do meio dia cairá um toró que deixará um frio desesperador. Nem é que eu esteja prevendo que tudo isso vai acontecer, mas é que em alguns dias simplesmente a alegria não aparece, ela fica escondida atrás da colina, lá no final do arco-íris. Talvez você precise correr para buscá-la, antes que seja soprada em outra direção.
Você ficará aí nesse corre-corre, pedindo que logo o final de semana chegue, para ter aquela promessa de felicidade forçada. Garanto, só é a promessa, nas manhãs de todas as segundas voltaremos cada um para sua direção, em busca do que não existe...

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Por aí num sábado à noite

O paladar pedia uma cerveja. Só aquele líquido gelado, amargo e que provocava reviravoltas no cérebro faria bem a Luiza. Uma cerveja com os amigos numa noite quente e num barzinho qualquer, falando besteiras e rindo da vida alheia. Afinal, falar da vida alheia só pode ser besteira. Ligou para todos os amigos, estava de folga e revê-los faria muito bem naquela noite de sábado. Todos estavam ocupados, provavelmente aconchegados nos braços das namoradas, amados e amantes. Sei lá. Só sei que nem atender ao telefone puderam.
Luiza colocou a roupa mais largada. Uma calça saruel, uma blusa coloridinha de uma banda de rock, um sapato fluor oxford e um relógio meio apagadinho. Era inegável, ela tinha estilo, mesmo sem vontade de se arrumar. Não passou maquiagem alguma e amarrou o longo cabelo num coque meio desfeito. Mas ainda sim estava bonita. Luiza tinha um rosto iluminado e uma expressão de saúde e felicidade, mesmo que fosse bem o contrário. Não tinha companhia, mas a vontade de beber continuava. Ela chegou sozinha no bar de sempre, sentou no balcão e ficou lá, pensando na vida, nos amigos, na profissão e num futuro que ela nem sabia se tinha. Pediu uma tequila, logo virou-a, sem sal e sem limão e pediu uma cerveja. O garçom tentou puxar conversa, entretanto contraditoriamente ela não queria bater papo furado. Deu alguma patada nele e virou o rosto. Queria ficar ali quieta, apreciando o gosto da Heineken que tinha na mão e viajando nas loucuras que estava arquitetando para o próximo ano. Uma viagem quem sabe. Um curso de pós-graduação em outro país. Luiza sabia que não tinha mais como ficar naquela cidade, trabalhando na mesma coisa e indo para o mesmo bar todo final de semana  ainda mais, agora, sozinha.
Ela não reclamava do namoro dos amigos. Sabia que estavam felizes, mas os sábados passariam a ser depressivos. A solução, diziam os conhecidos, era arrumar uma paixonite, qualquer casinho desses de fazer perder a cabeça, mas Luiza não queria, estava sem paciência para conquistar alguém ou fingir acreditar nas besteirinhas bonitinhas que o cara diria para agradá-la. Definitivamente para tudo isso é preciso saco. Ela nem se quer dava o trabalho de olhar com outros olhos um rapaz bonito, pois seria trabalhoso desfazer a confusão se ele se interessasse. Era tediosa a vida dela, mas irritante mesmo era vê-la ali naquele velho bar bebendo, aos pouquinhos, aquela cerveja sozinha. Ninguém se aproximava, tinha uma aura de proteção em volta dela. Mas nem podia reclamar, dava motivo para que a achassem insuportavelmente irritante.
Depois de seis ou oito cervejas, ela estava animada, ousada e engraçada. Subiu no balcão, tirou a roupa e festejou alguma coisa que parecia lhe deixar feliz. Festejou as cervejas, talvez. Não havia amigos para carregá-la, nem para impedir que tirasse a roupa. Os garçons nem sequer tentaram tirá-la, tinham medo da garota-bonitinha-estranhamente-maluca. Ela divertiu os clientes e gargalhou um pouco. Desceu do seu palco, pegou o celular e foi parar na casa de um desconhecido, para fofocar é que não foi. Luiza tinha surtado e não tinha ninguém para perceber seus primeiros devaneios.


domingo, 31 de outubro de 2010

Lá vem novembro chegando e invadindo outubro. Novembro e todas as suas promessas de ser um mês apático, rápido e pré-festas-de-dezembro. Se ao menos o meu fosse doce, mesmo com final trágico...eu seria a lembrança de alguém. Melhor que ter 12 meses multiplicado por tantos mil anos e não servir nem como memória. Parece dramático e melancólico, mas é a realidade: as pessoas são egoístas ao ponto de sentirem saudade só quando importa. Logo saudade, a palavra mais bonita do português. 
Ah! Saudade...
Ela que me mata todos os dias um pouquinho e me ausenta constantemente de mim. Ela que me devora e matrada, apagando minha inspiração.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Meu tempo



Virei a ampulheta que estava sobre a mesa pelo menos umas quatro vezes. Olhei o celular mais umas trinta . Nenhuma mensagem. Nenhuma ligação nova. Ele se esqueceu do encontro, era só o que passava na minha cabeça. Não suportava esperar por ninguém, ainda mais naquela ansiedade de revê-lo depois da viagem. Antes de ele ir a Paris, saímos algumas vezes, nada sério, mas totalmente intenso. Achei que não ligaria na volta, no entanto ele até falou que sentiu saudades e precisava me ver. Nossa! Mas as parisienses são tão mais bonitas e cheias de charme. Não relutei. Também havia sentido falta dele. Não aquela saudade que provoca uma dor profunda, nem incômodo, mas a ausência dele deixou um sentimento diferente e que nem neologismo pode explicar. Não dessa vez.
Nenhum sinal. O calor e a umidade estavam altos, o que provocou uma vontade incontida de tirar o vestido, o salto e até a maquiagem. Logo perderia a paciência e me jogaria na cama. Liguei o ventilador, coloquei  Millencolin bem alto e me despi. Joguei-me loucamente na cama, quase cai. Ao menos com o som não dormiria, pelo contrário, me fez ter vontade de sair correndo pela rua. A minha mãe bateu no quarto me convidando para jantar. Recusei. Não precisava comer em casa, tínhamos reserva num dos restaurantes mais charmosos da cidade. Foi o que ele me disse quando me ligou um dia antes. 
O telefone tocou. Eu já nem sabia por onde tinha largado, sai procurando desesperada. Era ele. Atendi meio aborrecida, ele se fez de desentendido e disse que já estava passando pela minha casa. Coloquei o vestido, calcei a sandália, peguei a bolsa e o relógio. Desci a escada de casa gargalhando.
Com a minha mania de não viver o agora, estava adiantada pelo menos meia hora. E depois não quero que me chamem de neurada. Vai entender!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Ela queria...

Ligou o som no último volume. Precisava escutar qualquer música que a tirasse de orbita. Pela primeira vez desejava perder a cabeça. Queria cometer qualquer loucura para sair da rotina. Mas era impossível, ela tinha um grande segredo: tinha medo da liberdade. Isso mesmo. Vivia em busca da sua, mas inventava histórias para mudar de caminho quando as asas estavam mais leves. Era puro medo. Um medo estranho, diferente talvez. Não paralisava, não impedia, mas também não dava gás para mudança. 
Queria sair de casa. Tomou banho. Colocou um vestidinho cor-de-rosa. Maquiou-se. Arrumou a bolsa e apressou-se. Nem sabia para onde ir, no entanto não era ali que queria ficar. Queria borrar a maquiagem sem que ninguém a visse, nem ao menos escutasse qualquer soluço. Queria voar, mas tinha medo de cair. Queria dançar, mas o medo de tropeçar a impedia. Queria grita, mas estava sem voz. Queria ficar bêbada, sem colocar qualquer gota de álcool na boca. Queria sorrir, mas sentia uma dor flagelante quando movia os músculos do rosto. Queria se despedir, mas não sabia de quem. Queria voltar, mas não sabia para onde. Queria lamentar as perdas. Queria dizer coisas importantes para pessoas do passado, mas não sabia onde encontrá-las. Queria pegar um avião com destino à felicidade, mas não tinha dinheiro para comprar o bilhete. Finalmente, ela descobriu. Queria morre para que sentissem sua falta, mas queria estar viva para assistir.

Vingança!

Ela nunca gostou de despedidas. Sempre tão doloridas e cheias de emoção. Ela preferia partir sem dizer adeus, era bem mais fácil não ver o seu reflexo amargo nos olhos brilhando de lágrimas de quem sentiria saudades. Foram tantas às vezes que ela fugiu, correu, sumiu. Chegou a ser cruel em tantos momentos, mas ela não parecia se importar. Não havia sentimento, não nela. No entanto, ela foi pega de surpresa: agora, as pessoas partiam sem ao menos pronunciar qualquer som bom. Seria vingança? 
Desejara tanto ser autossuficiente, foram os pedidos de todas as vezes que completou novos anos. Aqueles pedidos feitos na calada da noite, sozinha, de olhos fechados e com uma força de vontade incrível. Talvez, fosse à hora de finalmente não precisar de ninguém. Que contradição. Pois era exatamente agora que ela sentia falta de mãos, abraços e sentimentos. Uma despedida, exatamente nessa hora, seria suficiente para deixá-la numa tristeza profundamente corajosa. Era melhor que o vazio seco, áspero e quente que a deixava em pânico pela ausência de uma única prosa. Verso. Palavra. Silêncio.
Ah! Silêncio. Talvez ele explicasse, mas essa sensação de que a qualquer momento nascerá um som, Lá, com sustenido. Em qualquer timbre, em qualquer frequência. Ela estava destinada a provar do veneno que desenvolvera. Agora, talvez, não haja mais voz, nem palavra, nem silêncio. Quem sabe ela também não exista. Não mais.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

À liberdade

 
Era início da primavera, Lisa tinha acabado de completar 15 anos e de presente recebera, não oficialmente, a guarda de Mon, a única irmã. A mãe havia falecido de uma daquelas pragas do século XX e o pai estava perdido em algum campo de concentração. As duas eram judias e alemãs e viviam durante o auge do Nazismo. Possivelmente seriam comunistas se tivessem tido tempo de ler Marx ou Engels.
Lisa sabia que era preciso levar Mon para um lugar seguro. Descobriu um aeroporto clandestino, comprou passagens para os Estados Unidos e contou para a irmã. Aquela solução havia saído cara, todas as economias da família foram gastam com a fuga. Só restava o que comer por poucos dias.
As duas arrumaram as coisas e correram para o aeroporto. Eram diversas pessoas desesperadas para entrar no avião e sentir um pouco de esperança em sobreviver. Judeus não tinham muitas chances naquele cenário, ao menos era essa a informação de circulava nos encontros de jovens que Lisa frequentava.
Durante a espera, um dos operários de voo gritou e mandou que números pares e ímpares se dividissem em duas filas. Lisa era par. Mon era ímpar. As filas foram formadas. Lisa estava assustada, apreensiva e ansiosa. Mais uma vez o operador deu instruções, mas agora era para que a fila par começasse a entrar no avião.
Lisa não poderia partir e deixar Mon sozinha lá fora. Elas trocaram de bilhetes e se abraçaram. A caçula foi andando em direção a porta do avião, sempre olhando para trás com os olhinhos negros assustados, enquanto a irmã esperava angustiada pela hora de reencontrá-la. Todos os pares entraram, agora era a vez de Lisa.
As portas do avião fecharam e carros com sirenes ligadas se aproximaram. Todos corriam desesperados pelo campo. Não havia onde se esconder. Lisa nem teve tempo de se mover, ficou ali parada, vendo o avião decolar, enquanto policiais alemães a prendiam. Ela sentiu medo, mas também alívio por ela e Mon terem trocado de bilhetes. Não poderia cuidar da irmã, provavelmente teria o mesmo fim trágico que o pai. Ela não era boba de acreditar que ele ainda estava vivo, apenas dizia isso para acalmar as saudades que Mon sentia dele. Fora tanta tragédia que a pequena de 12 anos vivera em tão pouco tempo que ela não achava justo confidenciar seus medos ou mesmo suas certezas quanto ao paradeiro do pai.
Lisa fora mandada para uma delegacia. Ficou na mesma cela que diversas presas políticas, com quem aprendeu, finalmente, o que era marxismo e comunismo. Já era tarde, não podia fazer muita coisa, em poucas semanas seria mandada à câmara de gás. Mas sentia felicidade por dois motivos: Mon estava salva e pela liberdade que adquiriu com o conhecimento. Lisa pensava na caçula com frequência, buscou informações, no entanto o medo de que os nazistas descobrissem o paradeiro da irmã a calou. O que a deixava mais segura era não ter visto naquele tempo de prisão ninguém parecido com os números pares daquele dia do avião. Mon estava nos Estados Unidos, tinha certeza.
Já era o fim de Lisa. Por maldade ou piedade, antes que entrasse na câmara, uma das guardas confessou: "você apenas adiou sua morte, aquele avião foi derrubado por um caça alemão". As lágrimas caíram compulsivas do rosto da menina. Era culpa dela que Mon não conhecesse liberdade, talvez devesse mesmo morrer. Ao menos era o que pensava. Lisa se entregou para reencontra Mon, o pai e a mãe.  

sábado, 18 de setembro de 2010

No quarto de brinquedos


As meninas deixaram os brinquedos espalhados pelo quarto. Estava tarde e a preguiça de colocá-los no baú convenceu-as de que era melhor se deitar. Dezenas de Barbies, algumas bonecas, dois pôneis, um tanto de patinhos, uma bruxa, um palhaço e uma bailarina.
A lua tão brilhante iluminava o quarto, foi então que os brinquedos criaram vida. A bruxa deu corda na caixinha de música da bailarina, que começou a dançar. O palhaço, hipnotizado, começou a cantar:

"Gira, com os pés no ar
Bailarina menina
Gira, sem parar
Num chão de estrelas" *

A bruxa tão enciumada saiu jogando praga ao casal. Só ela dava gargalhadas das cambalhotas do palhaço. Só ela aplaudia os grands jetés da bailarina. Tão sozinha e solitária, queria mandar em todos. A bruxa era contra o amor, por isso todos temiam o que ela poderia fazer contra os dois. Meio atordoada, ela fugiu. 
Os brinquedos se uniram para protegê-los. O palhaço pensou em se mudar para a caixinha de música, seria mais seguro, mas a bailarina precisava de espaço para os rodopios diários. Ele pensou em ir embora do circo, carregando a pequena caixa para onde fosse. Com medo da volta da bruxa, a pequena aceitou, só não imaginava como caminharia tanto tempo na ponta dos pés. Ele arrumou uma solução. Os dois amarraram balões coloridos em volta da caixinha de música. Despediram-se de todos, logo voariam. Antes que o gás hélio os levassem dali a bruxa chegou...
Todos apressaram o casal apaixonado, a caixinha já estava voando, quando a vassoura da bruxa passou aterrorizando. Primeiro tentou carregar a bailarina, que com um cambré conseguiu escapar, o palhaço cheio de truques fez a vassoura trotar. Bruxas não podem ser contrariadas. Ela soltou alguns balões, fazendo a caixinha inclinar e derrubar o palhaço no meio do nada. O palhaço foi caindo, caindo, caindo...
Não era o que desejara. Lançou-se no ar, voando desesperadamente para alcançá-lo. O tempo foi inimigo. Não havia rede de proteção nesse trapézio. Ele caiu na lona. Elas caíram no choro. A bailarina saltou em grand jeté atrás do amado. E a bruxa assistiu horrorizada tanta maldade de um coração que só queria amor.

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* Música: Rafael Porto.  



terça-feira, 14 de setembro de 2010

Rosa pequena


Rosa tinha uma mente calculista, apesar do nome, podia ser fria, egoísta e perversa. Tinha os cabelos lisos quase marrons, que clareavam gradativamente até serem dourados nas pontas cacheadas. Os olhos amendoados podiam facilmente criar sorrisos, eles compravam qualquer um com profundidade, mesmo os que duvidavam. Ganhava a confiança das pessoas com o jeitinho meigo, a voz calma e o perfil centrado. Ela era tão absurdamente calculista, mas não era vingativa. Ao menos esse defeito não tinha. Rosa não possuia sentimentos, ninguém nunca a cativou. Nem quando ela era criança aprendeu a amar. Por isso ninguém podia realmente se aproximar dela e entender tantos pensamentos frios.
Quando finalmente no finalzinho da tarde, durante um por-do-sol qualquer as brisas mudaram de lado, ela finalmente sentiu um frio diferente, aquele que nasce na boca do estômago e que vai subindo pela garganta até explodir, sabe? Seria culpa da serotonina? Adrenalina, então? Pela primeira vez nascia na pequena Rosa sentimento. Ela não entendeu muito bem o que se passava, mas era curiosa e por isso não fugiu. Queria compreender toda aquela loucura que esfriava as mãos, deixava-a nervosa e com o humor flexível. Era tão ingênua a Rosa. Um dia ia chorar.