sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sem rotina


Cansei de ser a garota certinha. Hoje, resolvi fazer tudo que a minha mãe desaprovaria...

Menti, quando me acordaram para perguntar se haveria aula, só para dormir durante toda a manhã. Na hora de me arrumar para o trabalho, vesti uma roupa além do que a minha personalidade permite e com mais decote que seria adequado para um ambiente formal. Mudei o discurso do entrevistado, não só coesão, mas verbos, advérbios e sentido também, que poderão me levar a outro Tribunal. Xinguei um casal de velhinhos que atravessava lentamente na minha frente e todas as pessoas que tomaram as dores dele. Falei com invisíveis. Peguei carona com desconhecidos. Beijei estranhos, isso mesmo, mais de um. Gastei meu salário num único dia, com um vestido para o fim de semana. Desliguei o celular. Bebi mais de um ice. Cheguei bêbada em casa, depois das 4h. Vomitei na sala e levei uma surra da minha mãe por não ter dado notícias.

Meu único arrependimento é ter inventado tudo isso para dar a minha segunda - feira mais aventura.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Suposição


Percorri o mundo tentando encontrar...Pensei ser Afrodite, Cleópatra, Helena, mas quando encontrei Amazan, semideus de Voltaire, entendi o quanto os homens são hipócritas e covardes. Todos os espelhos me enganaram..renasci como uma fénix.
Encontrei-me no meio do oceano, encharcada de sal, mas não entendia tanta lágrima. Por que tanto choro se não sinto fome, nem frio? Nem ao menos sofro a mazela de uma maldição. Sofrimento (?). Não, meu leitor, não sei o que é rezar pela alma de um filho perdido na guerra do mundo, nem fui marcada pela rosa radioativa, que li no poema de Vinícius.
Sinto como se estivesse na câmara de gás nazista, onde morreu Olga Benário, com uma significativa diferença: ela teve força para gritar, denunciou seu desespero. A sociedade, comovida, tentou salvá-la dando oxigênio, mas a fonte secou... Certamente, eu morreria aos ventos.
Se o destino fosse outro? Se eu tivesse nascido Drumond: marcaria a Literatura Universal? Se nascesse Ana Botafogo: deixaria minha alma nos belos teatros? E se fosse Tarcila do Amaral: seria um gênio revolucionário na pintura? Comporia as divinas sinfonias se tivesse a loucura de Mozart? Pois respondo, leitor, não poderia dar à humanidade tantos incensos, ouros e mirras.
Contento-me em ter respirado tantos deuses. Minhas lágrimas rolam melhor nos textos de Clarice, meus sorrisos encantam mais nos palcos com as bailarinas. Minha dor espalhou com a abertura da caixa de Pandora, mas cicatrizou com a música angelical e a poesia divina.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Vivendo em sonhos



Deveríamos poder caminhar livremente pelas ruas, como se desfilássemos nas nuvens, ao som das mais belas sinfonias de Mozart, Bethoveen e Bahr...Assistindo a doces paisagens naturais nos confundir às mágicas obras de Miquelângelo, Tarcila do Amaral, Landi. Ouvindo pequenos sabiás recitar poemas de Drumond, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Vinícius de Moraes, transforamando-nos em ninfas, fadas, eufos...Ilusões.
Ah! Poderíamos viajar por lugares diferentes, reais, imaginários...viajar pelos rios do nosso corpo, desaguar nas cataratas do nosso coração, voltar por um lago de águas termais e entrar na misteriosa gruta do nosso cérebro, brincar com os "neurodoendes", correr atrás das células da glia...e voar , através das sinapses, para florestas encantadas, onde a neblina cobre a identidade e os pensamentos...Conhecer o deserto do Pequeno Príncipe, ver montanhas que flutuam no céu, desvendar o Olimpo para pedir um pouco da loção de Afrodite, conversar com Atenas, conhecer Eros...Fechar a caixa de Pandora e ir na asa de Pégasus ao cemitério onde está Giselle, para pedir às almas encantadas, das virgens que morreram por amor, que ressucitem Tom Jobim, Galileu, Sócrates, Renato Russo, Cazuza, Olga Benário, Joana Darc...para que liderem uma Revolução de sonhos, feita pela literatura, cultura, ciência, filosofia, arte...Defendendo sempre a ética, a liberdade e a cidadania.
Queria mergulhar nos livros, calar as suspeitas de Bentinho sobre Capitu, ajudar Lucíola, curar Brás Cubas do emplasto, Salvar Carmen do amor doentiu de Don José, prender o triste grito da jandaia, para não ouvir: Iracema! E mais tarde ver o cajueiro florescer quatro vezes...
Queria poder mudar a História...soprar as caravelas de Cabral para o outro lado, impedir a chegada do nazi-fascismo ao poder, censurar as ditaduras, proibir a entrada de corruptos no Palácio da Alvorada, vetar a decisão dos EUA em invadir o Iraque, o Irã, o Afeganistão...
Quero contemplar o encontro da lua com o mar, sentar embaixo de uma árvore, sentir o perfume das rosas brancas da vida. Quero acordar com os primeiros "raios de sonho" refletido no orvalho da madrugada.
Ah! Só quero voltar quando o Mundo acordar de seu pesadelo...

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Inconsciente

Vasculhar o passado me traz de volta aquele antigo frio na barriga de quando escutava, com a pronúncia sussurante, encantadora e sincera: namorada.
Aí, lá vem a saudade nascendo no estômago, percorrendo em seco meu corpo até explodir na minha frente e voar ao teu encontro. Nessa hora, exatamente nessa, o tempo parece ter voltado à primavera. Se fechar os olhos, consigo escutar a canoa cortando o Rio...

Na "Terceira margem" as glias calam os impetuosos gritos: o silêncio dói mais que a ausência.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Flor de lis


Todos os dias, espero ansiosa a chegada da carta proibida - garantida, quiça com o pôr-do-sol. As letras tomarão conta dos nipes, sem que o futuro seja passado.










(A resposta está na semiótica)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Cópias perfeitas de uma realidade ficcional


Mãe e filha subiram pela porta de trás do “Pedreira Lomas”, próximo a seccional da Pedreira, na Av. Pedro Miranda. A mãe, Daiane Silva (20), falava alto com a pequena Ticiane (4), todos olhavam, alguns incomodados; outros curiosos. As duas de mãos dadas dirigiram-se à frente do ônibus, os passageiros acompanharam-nas com os olhos, ambas com vestidos surrados, descabeladas e sujas, cópias perfeitas em tamanhos diferentes.
Daiane começou a falar: “Senhores, desculpem por incomodar a viagem, mas estou aqui por questão de ‘precisão’, não vendo bombom porque gosto. Se puder me ajudar, agradeço”. Indiferença, essa foi a reação dos passageiros, então a ambulante renovou o marketing: “Sou ex-presidiária, fiz muita coisa errada moço”, falou tocando no rapaz em seu lado esquerdo. “Mas, não quero voltar para aquela vida não, por isso me ajuda, compra uma balinha. Só R$ 0,10 centavos, não mata ninguém”. A criança começou a chorar e puxar a mãe pela barra do vestido, gritando: “Mãe, to com fome”, insistiu várias vezes. Ela parecia só decorar o seu papel, sem que os pagantes exigissem bis.
Comprei algumas balinhas, para me aproximar e fazer algumas perguntas. Ela aceitou responder, em troca queria algumas moedas para comprar comida para a menina. Descemos na mesma parada, próximo a praça Santos Dumont, antiga praça Brasil. Descalça, Ticiane reclamava do asfalto quente, que o sol das 13h castigava. A mãe aborrecida carregou-a. Entramos numa portinha, um pequeno restaurante, pedi duas sopas. Entre uma colher e outra, Daiane relatou como a vida a transportou àquela realidade.
Começara a roubar aos 14 anos, influenciada pelo namorado, pai de Ticiane. 1 assassinato. Presa diversas vezes por furto. Segundo ela, o remorso só vinha a noite, quando contabilizava o lucro do dia. Quando descobriu que estava grávida, se recusou a continuar, passou a vender doces nos transportes coletivos da região metropolitana de Belém. Entra no primeiro ônibus às 7h da manhã, com Ticiane, no colo, dormindo ainda. Passa das 20h, quando volta para casa, na Pratinha.
Qual seria o sonho daquela jovem? A resposta veio com os olhos frios e calculistas, que a garota insistia em baixar quando a encarava: “Queria vender todos esses bombons e comprar uma boneca para ela”, despejou a confidência, acariciando os cabelos da pequena. O saco de balas ainda estava pela metade. As duas agradeceram a sopa, levantaram e saíram atrás de um novo transporte. Coloquei na boca uma das balas, pensando em como descrever o episódio sem parecer ficção. Lá ia a esperança...

[Série: reportagens]