quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Payaso





Bom dia, palhaço.

Senti falta dos seus sorrisos a cada rodopio. Na semana que passou a música da minha caixinha quase não soou. A cada 360º a triste notícia de não presenciar nenhuma rosa colorida aos meus pés. Ironicamente, as cores só aparecem nas monocotiledôneas que carregas no bolso, escondidas aos olhos desesperançosos. O preto das tuas vestes contrasta com o monocratismo dos teus acordes. Teu Sol, com ou sem sustenido (#), motiva a minha dança. E para que mais lembrança?
O simples avesso sonoro, o inverso chacoalhado. Sem mímicas exageradas. Sem piadas inventadas. Sem truques inusitados. Sem a mínima = =, que encontrou um compilador para o mundo imaginário. Não há grito de repúdio. Não a todos. Não a deus. Não há. ¡Solamente, payaso!
O senhor de todos os risos, talvez por muito siso, traz nos olhos o que passa de humor à tragédia, sem passar por divina comédia. Em cena como maldito, faz trocadilhos e cambalhotas, sem inventar anedotas para distrair os andarilhos. E perdoe, querido palhaço, pelas rimas pobres e desconcertantes, mas cada vez que foges param as notas, acabam as cores... Só fica poesia.

Bb6/9 F7/9 Gm7

Tens alma de artista, no entanto a timidez de quem nunca subiu no palco.

Cm7 Bº
Tens coração de criança, entretanto esqueces o que sentes.

Cm7 Bº
Tens no picadeiro um trapézio...




Rodopios, piruetas e saltos. E o que falta para voar?
Cm7 Bº
"Medo de cair, gente..."


Bailarina

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Relatividade




As horas nunca me fascinaram, possivelmente por ser avessa ao Cotidiano. Elas passaram a ter uma cor diferente ao te conhecer, tantas vezes eram vibrantemente violetas, e velozes. Nas outras, eram vermelhas, e vagarosas. Nossos dias eram como o pêndulo dos relógios antigos, sempre no mesmo compasso. Agora era amante das ampulhetas, das superstições, dos números (em algarismo romano ou não). Era tua, amante.


21h21 brilhou no meu computador, logo chegaria nosso encontro casual, quase agendado: dias sim, dias não. Estarias também pensando em mim? Talvez em 1h. Era o que nos separava. No verão, te esperava. No inverno, fugia. Corria desesperadamente, separando novamente nós dois. Sempre 1h antecipada. Virtualmente, para outros observadores, os ponteiros pulsavam simultaneamente. Para nós não, não mais.

Não desisti de encontrar a passagem no tempo, amaNte.



"Por enquanto estou inventando a tua presença"
(Clarice Lispector)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010



"Talvez agora você me desconheça mais..."
 (Clarice Lispector)


Depois de despir todas as máscaras, prometi não voltar atrás. Nem todas as minhas verdades convenceram, quiçá estivesses acostumado as insalubres mentiras. Segui pela coxia. A real.
Era inevitável escutar algum acorde e não te procurar. E sabe o que é engraçado? Não te encontrei. Nem que todos me dissessem que estavas alí. Não estavas. Talvez tenhas repetido várias vezes com a voz forte o meu nome, escrito num canto de papel meus apelidos, gravado cada pedaço do meu rosto, olhando as antigas fotos. Aí, sabe o que aconteceu? Acabou o breu. Ficar sóbria no palco foi impossivel. Na minha imaginação, a melodia era de suspense...
Os trapézios substituiram o linólio. As gargalhadas contagiaram o público. Não houve morte do cisne. Não houve ironia. Não houve sapatilhas em novos palcos. Nem bruxaria. Nem encanto. Nem hipnose.

Só silêncio.
Silêncio.
Pshiii.
Só.

Sobre o picadeiro. O soldadinho de chumbo assistia a pequena bailarina. Não calaria o único aplauso. No entanto, no 'Grand Finale' uma flor roxa caiu aos meus pés. A atenção, agora, era apenas para ele: o virtual palhaço.