segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Saudades do Pará


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A noite estava fria, uma leve brisa marítima balançava seus cabelos, mas o entusiasmo de rever sua terra, mesmo que só pelos ritmos, encantava. A ansiedade era interminável. Os minutos eram intransponíveis. Andou. Sentou. Falou. Escutou. Aquietou. Iniciaram os batuques. Carimbó. Siriá. Lundú. Iniciou aquela música que entrava pelos poros e magicamente renovava, modificava, movimentava. Cantou alto. Gritou. Dançou. Ensinou. Embalou. Suou. Emocionou.
Sentira falta das coisas pequenininhas que só a Cidade das Mangueiras tinha. O calor. As rodas de Carimbó. O regionalismo pulsante das ruas. O açaí com farinha. A chuva das três. Os significativos 'Éguas'. O cheiro do rio. O som da morena nortista dançando lundú na beira da Bahia do Guajará. Ela não abandonou as raízes.
Tirou as sandálias. Fingindo por as mãos na saia dançava, bailava, rebolava, sonhava. Nem imaginava ser alvo de curiosidade. Ela esqueceu o mundo, doou-se novamente aos antigos passos, aos giros, as batucadas. 5h dançando sem parar. Diminuíram o volume, cessaram as frequências musicais. O cansaço tomou conta do corpo que só era saudade. Reencontrou novos conhecidos, todos encantados com a cultura paraense. Ele se aproximou. Ela ainda eufórica pelo orgulho de seu berço. Ela não parava de falar, mas ele conseguiu o silêncio absoluto com apenas uma pergunta. A resposta foi de fazer tremer.
Ele se aproximou, passou a mão direita pela cintura dela e beijou-a. Um beijo carinhoso e sem compromissos. Ele não sabia o que pensar. Ela decididamente sentira um frio na barriga, que a fazia recuar. A noite acabou.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Simultâneo



Ela
Seminua. Os lençóis transpareciam as curvas, com apenas um propósito: ludibriar. Aprendera com o circo mágico técnicas de transformação.
Despertou lentamente, sem mover muitos músculos, para não despertar o maestro. Os olhos abriram com delicadeza, revelando o som pulsante das castanholas de [fazer] Pará. Nenhum maestro. Nenhuma alegria. Nenhuma maquiagem. Ela levantou. Percorreu vagarosamente na meia-ponta pelo camarim, rodeado de espelhos. Pelo cenário, 13 máscaras espalhadas, marcando o percurso. Sentira falta de uma, mas só pensara. Tocou do lado esquerdo do rosto, a pele fina sem cobertas, surpreendeu-a.
Mais passo à meia-ponta. Coxia. Foco de luz no canto oposto. Aplausos. Palco. Atordoada, pelas antigas paixões, recua. Fumaça. Translúcido. Neblina. Curiosa, cria coragem para voltar a receber os aplausos. Sons irreconhecíveis. Ela continua andando. Mais fumaça. Seria o maestro? Relembrou as pirouets, os bourrets e os saltos sensacionais da vida passada. A música parou. Entre avanços e retraídas aproximou-se do irreal. Alcançou o foco. Apenas as fumaças. Enlouqueceu.
Rodopiou. Brincou. Dançou. Saltou. Caiu. Caiu. Caiu deitada no alçapão do Teatro. Encantada, quebrou colombina.


Ele
Insônia. Mais uma noite acordado. Virou para o lado, ficou admirando os detalhes da desconhecida, querendo guardar a imagem, para mais tarde reconstruir.
Não tocou. Não afagou. Não acariciou, apenas contemplou. Não queria que ela despertasse dos sonhos. Levantou compassadamente, para evitar sustos. Pegou as roupas, atiradas no chão, vestiu-as com cuidado. Passou pelas conquistas. Dele. Dela. 13 distintas máscaras. Tocou do lado direito do rosto, nenhum sinal de maquiagem. Sorriu lentamente com o canto direito da boca, surpreso. Sucumbiu a felicidade. Pegou o violão. Andou. Beijou o palco. Lembrou dos antigos rituais. Acendeu um cigarro. Sentou no banquinho.
Apagaram o colorido. Escuro. Foco de luz amarela. Aplausos. A palheta percorre 6 cordas, revelando som. Só aqueles olhos amendoados remontavam novas notas. Todas aleatórias. Aplausos. Novos cigarros. Muita fumaça. Dó. Si. Lá menor. Dó maior. Os acordes pararam. Decidido em conquistá-la se apressou. Levantou. Saiu pela coxia lateral. Disposto a se declarar súdito da beleza, movimentou. A coragem de refazer o diferente trouxe um riso de pavor. Entrou no camarim.
O sorriso se desfez. No cenário, apenas máscaras. O espelho revelou, no lado esquerdo do rosto, Pierrot.

Surpresa




Compulsivamente elas caiam, sem que pudesse controlar, sem que tivesse força para impedi-las. Há anos elas não apareciam. Não nasciam. Não morriam. Elas desesperavam, maltratavam, mas ainda assim confortavam meu coração desamparado. O silêncio era lamento. Os olhos de vidro fixados na loucura, no ápice da minha felicidade e do meu descontentamento.
Ela partiu! Nem ao menos olhou nos meus olhos. Nenhum abraço. Nenhum carinho. Apenas partira como de costume, de surpresa. Só conseguia pensar que nunca mais escutaria aquela voz doce e melosa, pedindo café da manhã na cama. Nem ouviria aquela gargalhada contagiante diante das minhas insistentes cócegas. Nem limparia aquelas lágrimas de felicidade após um simples sorvete de morango, nosso preferido. Não veria o sorriso nascer timidamente ao som de um elogio.
Ela partiu. Ela partiu. Ela partiu. A frase pulsava doloridamente nas veias cada vez que recordava a ingenuidade com que aquele amor nascera. A vingança acomodava-se em meu peito quando uma lágrima nascia, descia, banhava. Assustava.
Em acessos de loucura tirei-a do seu novo casulo. Beijei. Abracei. Resmunguei. Refiz minhas promessas. Declarei meu amor. Fria. Imóvel. Não respondeu, calou.
O silêncio gritou nos meus ouvidos: REALIDADE! A fúria da dor bagunçou meus sentidos. As imagens perderam os cheiros. O som ficou sem cores. E o silêncio cantava: A - DEUS!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Insônia


Os olhos estavam pesados. Preguiçosos! Levantei com a cabeça zumbindo, depois de passar a noite em claro, pensando nos sonhos que podiam ser realidade. Tento viver com tanta intensidade, que prefiro não dormir para não perder o tempo do progresso. Mas, com toda a tecnologia e velocidade, ainda há o contraste com o silêncio completo. Depois, vem a saudade de um futuro que só consigo construir HOJE.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Canoas


Nas águas barrentas da Bahia do Guajará, diversas canoas multicoloridas, em frente ao Ver-o-peso, passavam o dia enfileiradas. No início da tarde, quando os pescadores descansavam, as crianças brincavam de corrida pelas pequenas embarcações. Elas misturavam-se as cores, criando o branco, o monocromático. Apostavam. Gritavam. Bagunçavam. Riam. Balançavam. Chacoalhavam. O rio ajudava, trazia uma sensação de embalo maternal.

Quando acabava a cesta dos trabalhadores, voltavam às gritarias, mas desta vez de temor. Reiniciavam as correrias. A cor amarelada das águas, agora era fuga, máscara, esconderijo. Só dava tempo de escutar o rio acolhendo. Nenhum rosto era reconhecido. Do outro lado do cais, curumins davam as gargalhadas de todos os dias. Zombavam. Irritavam. Gracejavam.

A calmaria reconstruía o cenário, após as injúrias imprecadas pelos adultos. Agora, as cores, apenas elas, agitavam a imagem. Amanhã será um novo dia. [Re]Começará a esperança de se[r] [a]mar.

domingo, 13 de setembro de 2009

Sobressalto


Todos cantavam alto, as gargalhadas eram irritantemente contagiantes, os movimentos a tiravam da inercia. Os olhares estavam baixos, o sorriso incosciente nascia no canto dos lábios, tentando equilibrar a razão e a sensibilidade, no entanto a lembraça das promessas despertaram aquele antigo sentimento, trazendo saudade. Os olhos arderam. Piscaram. Fecharam. Derramaram lentamente duas gotas de orvalho, que desceram suavemente pelas pétalas da rosa da primavera passada, que ela carregava na mão.

Enigmática, traduziu tuas atitudes sem que palavra alguma ressoasse, ela sabia que "jamais assumiria um sentimento e se exporia de tal forma a parecer o mínimo submissa ou condescendente*", mas por ti ela foi o avesso. Desta vez, o [re]verso fugil do roteiro. Ela foi tua antes mesmo que concordasses, tirou teu chão, deixou-te pusilânime, sem pensar em subterfúgios. O palco traz tragédia ou comédia? Sobressalto!


*frase do romance "Meleb"




quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Eco


Ela regressava para a crisálida, com a ânsia de abraçar alguém. Um grito sem argumentos, passara o dia ecoando na cabeça, engasgando-a. A discórdia permanecia, o rosto aparentava um leve malquistado, mas a tristeza era devido aquela palavra forte e melancólica que ela evitava pronunciar, medo.
Naquele dia, pediu para sair mais cedo do trabalho, precisava de um banho frio. Decidiu voltar andando para casa, preferiu o caminho mais longo, indubitavelmente as paisagens tornaram-se imperceptíveis.
As gotas quentes escorreram pelo rosto, as mãos foram ficando geladas. Tudo ficou vermelho. Mas, no canto da boca nascia, naturalmente, um sorriso, quiça pela liberdade conquistada durante o vôo, até o destino atual. Impulsiva, abraçou o futuro. O silêncio ecoava o sorriso...

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

El amor


Al que se ama se le da la Libertad...



Sólo deséo que mi vuelo llegue a usted!

sábado, 5 de setembro de 2009

Casual


Cadeado quebrado. Nenhuma daquelas chaves do molho poderiam abrí-lo.
A senhora teimosia, apoiada numa bengala, continuava a bater com um martelo, quiça partisse.

Imprecou injúrias. Quando já não restava mais paciência, sentou no chão e dormiu.

A porta não abriu. Mas, as janelas ficaram escancaradas...