terça-feira, 22 de setembro de 2009

Simultâneo



Ela
Seminua. Os lençóis transpareciam as curvas, com apenas um propósito: ludibriar. Aprendera com o circo mágico técnicas de transformação.
Despertou lentamente, sem mover muitos músculos, para não despertar o maestro. Os olhos abriram com delicadeza, revelando o som pulsante das castanholas de [fazer] Pará. Nenhum maestro. Nenhuma alegria. Nenhuma maquiagem. Ela levantou. Percorreu vagarosamente na meia-ponta pelo camarim, rodeado de espelhos. Pelo cenário, 13 máscaras espalhadas, marcando o percurso. Sentira falta de uma, mas só pensara. Tocou do lado esquerdo do rosto, a pele fina sem cobertas, surpreendeu-a.
Mais passo à meia-ponta. Coxia. Foco de luz no canto oposto. Aplausos. Palco. Atordoada, pelas antigas paixões, recua. Fumaça. Translúcido. Neblina. Curiosa, cria coragem para voltar a receber os aplausos. Sons irreconhecíveis. Ela continua andando. Mais fumaça. Seria o maestro? Relembrou as pirouets, os bourrets e os saltos sensacionais da vida passada. A música parou. Entre avanços e retraídas aproximou-se do irreal. Alcançou o foco. Apenas as fumaças. Enlouqueceu.
Rodopiou. Brincou. Dançou. Saltou. Caiu. Caiu. Caiu deitada no alçapão do Teatro. Encantada, quebrou colombina.


Ele
Insônia. Mais uma noite acordado. Virou para o lado, ficou admirando os detalhes da desconhecida, querendo guardar a imagem, para mais tarde reconstruir.
Não tocou. Não afagou. Não acariciou, apenas contemplou. Não queria que ela despertasse dos sonhos. Levantou compassadamente, para evitar sustos. Pegou as roupas, atiradas no chão, vestiu-as com cuidado. Passou pelas conquistas. Dele. Dela. 13 distintas máscaras. Tocou do lado direito do rosto, nenhum sinal de maquiagem. Sorriu lentamente com o canto direito da boca, surpreso. Sucumbiu a felicidade. Pegou o violão. Andou. Beijou o palco. Lembrou dos antigos rituais. Acendeu um cigarro. Sentou no banquinho.
Apagaram o colorido. Escuro. Foco de luz amarela. Aplausos. A palheta percorre 6 cordas, revelando som. Só aqueles olhos amendoados remontavam novas notas. Todas aleatórias. Aplausos. Novos cigarros. Muita fumaça. Dó. Si. Lá menor. Dó maior. Os acordes pararam. Decidido em conquistá-la se apressou. Levantou. Saiu pela coxia lateral. Disposto a se declarar súdito da beleza, movimentou. A coragem de refazer o diferente trouxe um riso de pavor. Entrou no camarim.
O sorriso se desfez. No cenário, apenas máscaras. O espelho revelou, no lado esquerdo do rosto, Pierrot.

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