quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Era madrugada


 
Acordei no meio da madrugada, completamente sem sono. Levantei. Peguei um livro para ler,  no entanto não conseguia me concentrar. Liguei o notebook, mas não consegui acessar a internet. Então peguei um casaco e saí de casa. Quando ia fechando a porta, lembrei-me da minha câmera e voltei para buscá-la, havia anos que não saia de casa sem ela. O vento frio das ruas expulsou grande parte das pessoas para suas casas, mesmo naquela sexta-feira. 
Fiz algumas fotos de umas garotas brincando de falar alto para fazer fumaça no vento gelado e, também, acordar os vizinhos. Elas estavam meio bêbadas e nem prestaram atenção para um fotógrafo da madrugada. A noite estava muito bonita, mesmo sem neve, mesmo sem pessoas, mesmo sem chuva. Talvez pela sensação de liberdade e segurança, nenhuma confidente além das milhares de estrelas no céu a me seguir e presenciar minha busca incessante por novas imagens. 
Andei até o parque, onde sempre há grupos de jovens-bêbados-que-conversam-sobre-besteiras-hipócritas-e-acham-graça-de-qualquer-revolução. Seria, então, possível fazer fotos sensacionais, ao menos me distraia um pouco. No mínimo, todo aquele papo-chato-de--a-nossa-geração-vai-mudar-o-mundo-só-com-essas-discussões-idiotas acabaria com a minha insônia. O parque estava vazio. O frio estava mesmo de assustar, nem inúmeras garrafas de conhaque aqueceriam. Continuei andando, quando vi de muito longe uma garota quieta, olhando o mar. Sim, o parque tem uma vista linda para o mar. A moça parecia não se importar com a solidão, muito menos parecia congelada. Ela certamente não tinha medo de altura, já que estava no limite do parapeito. Ela se balançava, como se ensaiasse alguns passos de dança. Tango, talvez.
Coloquei a lente nos olhos, tentando encontrar o melhor ângulo. Coloquei a máquina no automático para fazer fotos sequenciais, enquanto me aproximava. A mudança foi rápida. Logo após a primeira foto, ela tinha criado asas e voado...













sábado, 14 de agosto de 2010

Querido Silêncio,



Escrevo sabendo que nunca lerás. Mesmo que um dia voltes aqui não perceberás. Se entenderes eu nunca saberei, pois permanecerá sempre um monólogo, quando eu desejei que fosse diálogo. Uma única palavra. Qualquer som bom. Quem sabe de volta aquelas antigas gargalhadas que faziam meu sorriso escancarar? Talvez elas ecoem longe de mim...O palco vai estar vazio.
Tantos dias sem palavras, sem sílabas pronunciadas, só aqueles acordes das músicas antigas. Não rolaram lágrimas. É isso que me perguntarias? Nenhuma. Desde que te ausentaste ficaram as músicas, os textos, os poemas e as lembranças para preencher cada passo teu. Passos em falso  que me fizeste dar, minhas pernas ficaram bambas no começo, confesso, pelo medo de voltar a andar na ponta dos pés sozinha. Andei.
Foram alguns minutos de solo. Na hora do fouetée, achei que pegarias novamente pela minha cintura e me ajudarias a girar e mais uma vez meus rodopios te encantariam, mas não estavas mais no palco, correste para a coxia sem nenhum aviso. Tentei sair de cena, preocupada com o teu bem estar. Quem sabe tivesse fugido dos meus olhos alguma cambalhota mal dada, ou uma piada mal dita, que gerou repúdio no público. Poderia? Eu bem sei que era impossível, foram tantos ensaios teus diante aos espelhos, que o show era impecável. Só procurava uma explicação, querido. Uma explicação real.
Somos personagens diferentes. É eu sei. Eu só procurava complementos. Meu sorriso dolorido junto ao teu forçado fazia a plateia suspirar. Antes o que era fascínio em pouco tempo se transformou em tormento. Continuaram os sorrisos, agora separados, mais falsificados do que nunca, ao menos os meus.
No Jeté fui ao chão, minha dança ficou descompassada, quase sem vida. O público muito atencioso quase me carregou, aplaudiu quando eu não merecia, confortando aquela dor tremenda, não era a "Morte do Cisne", mas era quase a loucura de Giselle. Quantas vezes eu recusei rosas, para não relembrar desvairadamente do "mal-me-quer-bem-me-quer"? Não quero dançar o II ato desse ballet, não quero que voltes após a minha morte. Não sei se te protegeria. Possivelmente fecharia os olhos e taparia os ouvidos, para não participar da dança. 
Nunca mais serás como todos os mil palhaços do mundo, me cativaste. Por teres perdido tanto tempo comigo, fez eu me sentir muito importante. E já era tua hora de partir, tinhas que voltar à tua roseira, de onde tiravas todas aquelas rosas que jogaste aos meus pés durante meus giros.

                                                                                                                            Adeus, Silêncio. 


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Ah!

Odeio vento no rosto, mas abri a janela do carro, coloquei o som no volume máximo, tocava uma música do móveis, nevilton ou autoramas, ja nem sei. Cantarolava em voz alta, muito alta, com o rosto quase todo para fora da janela. Rindo, achando graça para qualquer um na rua, e sem prestar atenção em nada.

Cheguei em casa, corri para o quarto da irmã caçula, ela estava deitada na cama, lendo alguma coisa. Joguei-me na cama, suspirei e falei olhando para o teto:

- Ah! Tô apaixonada. 

Ela olhou assustada, sem acreditar muito. largou o livro e logo fez mil perguntas. 
- Quem? Como? Como ele é? Quando isso aconteceu? O que estás sentindo? Como sabes?

A única coisa que sabia dizer era: 

- Ah! Estou apaixonada, irmã. 

Ela já meio irritada, vasculhou minhas mãos, acho que em busca de drogas (eu só podia ter surtado), ou pistas talvez. E mais uma vez perguntou por quem eu estava apaixonada.

Então eu respondi: 

- Irmã, não faço ideia, só sei que nesse estado de felicidade integral, só posso ter me apaixonado por alguém. Será que ele se apresentará, hoje, para mim?

Ela achou graça e voltou a ler Caio Fernando Abreu. Depois de alguns minutos silenciosos disse quase gritando: "...mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor. Cuidado comigo: um dia encontro."