sábado, 14 de agosto de 2010

Querido Silêncio,



Escrevo sabendo que nunca lerás. Mesmo que um dia voltes aqui não perceberás. Se entenderes eu nunca saberei, pois permanecerá sempre um monólogo, quando eu desejei que fosse diálogo. Uma única palavra. Qualquer som bom. Quem sabe de volta aquelas antigas gargalhadas que faziam meu sorriso escancarar? Talvez elas ecoem longe de mim...O palco vai estar vazio.
Tantos dias sem palavras, sem sílabas pronunciadas, só aqueles acordes das músicas antigas. Não rolaram lágrimas. É isso que me perguntarias? Nenhuma. Desde que te ausentaste ficaram as músicas, os textos, os poemas e as lembranças para preencher cada passo teu. Passos em falso  que me fizeste dar, minhas pernas ficaram bambas no começo, confesso, pelo medo de voltar a andar na ponta dos pés sozinha. Andei.
Foram alguns minutos de solo. Na hora do fouetée, achei que pegarias novamente pela minha cintura e me ajudarias a girar e mais uma vez meus rodopios te encantariam, mas não estavas mais no palco, correste para a coxia sem nenhum aviso. Tentei sair de cena, preocupada com o teu bem estar. Quem sabe tivesse fugido dos meus olhos alguma cambalhota mal dada, ou uma piada mal dita, que gerou repúdio no público. Poderia? Eu bem sei que era impossível, foram tantos ensaios teus diante aos espelhos, que o show era impecável. Só procurava uma explicação, querido. Uma explicação real.
Somos personagens diferentes. É eu sei. Eu só procurava complementos. Meu sorriso dolorido junto ao teu forçado fazia a plateia suspirar. Antes o que era fascínio em pouco tempo se transformou em tormento. Continuaram os sorrisos, agora separados, mais falsificados do que nunca, ao menos os meus.
No Jeté fui ao chão, minha dança ficou descompassada, quase sem vida. O público muito atencioso quase me carregou, aplaudiu quando eu não merecia, confortando aquela dor tremenda, não era a "Morte do Cisne", mas era quase a loucura de Giselle. Quantas vezes eu recusei rosas, para não relembrar desvairadamente do "mal-me-quer-bem-me-quer"? Não quero dançar o II ato desse ballet, não quero que voltes após a minha morte. Não sei se te protegeria. Possivelmente fecharia os olhos e taparia os ouvidos, para não participar da dança. 
Nunca mais serás como todos os mil palhaços do mundo, me cativaste. Por teres perdido tanto tempo comigo, fez eu me sentir muito importante. E já era tua hora de partir, tinhas que voltar à tua roseira, de onde tiravas todas aquelas rosas que jogaste aos meus pés durante meus giros.

                                                                                                                            Adeus, Silêncio. 


Um comentário:

Nina Auras disse...

Um trecho em especial, mata por todos os outros em sentido de magnificência.

"Antes o que era fascínio em pouco tempo se transformou em tormento. Continuaram os sorrisos, agora separados, mais falsificados do que nunca, ao menos os meus. No Jeté fui ao chão, minha dança ficou descompassada, quase sem vida. O público muito atencioso quase me carregou, aplaudiu quando eu não merecia, confortando aquela dor tremenda, não era a "Morte do Cisne", mas era quase a loucura de Giselle. Quantas vezes eu recusei rosas, para não relembrar desvairadamente do "mal-me-quer-bem-me-quer"? Não quero dançar o II ato desse ballet, não quero que voltes após a minha morte. Não sei se te protegeria."

Amei. Não posso dizer mais do que o texto já diz. Meus parabéns. ♥