quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Cópias perfeitas de uma realidade ficcional


Mãe e filha subiram pela porta de trás do “Pedreira Lomas”, próximo a seccional da Pedreira, na Av. Pedro Miranda. A mãe, Daiane Silva (20), falava alto com a pequena Ticiane (4), todos olhavam, alguns incomodados; outros curiosos. As duas de mãos dadas dirigiram-se à frente do ônibus, os passageiros acompanharam-nas com os olhos, ambas com vestidos surrados, descabeladas e sujas, cópias perfeitas em tamanhos diferentes.
Daiane começou a falar: “Senhores, desculpem por incomodar a viagem, mas estou aqui por questão de ‘precisão’, não vendo bombom porque gosto. Se puder me ajudar, agradeço”. Indiferença, essa foi a reação dos passageiros, então a ambulante renovou o marketing: “Sou ex-presidiária, fiz muita coisa errada moço”, falou tocando no rapaz em seu lado esquerdo. “Mas, não quero voltar para aquela vida não, por isso me ajuda, compra uma balinha. Só R$ 0,10 centavos, não mata ninguém”. A criança começou a chorar e puxar a mãe pela barra do vestido, gritando: “Mãe, to com fome”, insistiu várias vezes. Ela parecia só decorar o seu papel, sem que os pagantes exigissem bis.
Comprei algumas balinhas, para me aproximar e fazer algumas perguntas. Ela aceitou responder, em troca queria algumas moedas para comprar comida para a menina. Descemos na mesma parada, próximo a praça Santos Dumont, antiga praça Brasil. Descalça, Ticiane reclamava do asfalto quente, que o sol das 13h castigava. A mãe aborrecida carregou-a. Entramos numa portinha, um pequeno restaurante, pedi duas sopas. Entre uma colher e outra, Daiane relatou como a vida a transportou àquela realidade.
Começara a roubar aos 14 anos, influenciada pelo namorado, pai de Ticiane. 1 assassinato. Presa diversas vezes por furto. Segundo ela, o remorso só vinha a noite, quando contabilizava o lucro do dia. Quando descobriu que estava grávida, se recusou a continuar, passou a vender doces nos transportes coletivos da região metropolitana de Belém. Entra no primeiro ônibus às 7h da manhã, com Ticiane, no colo, dormindo ainda. Passa das 20h, quando volta para casa, na Pratinha.
Qual seria o sonho daquela jovem? A resposta veio com os olhos frios e calculistas, que a garota insistia em baixar quando a encarava: “Queria vender todos esses bombons e comprar uma boneca para ela”, despejou a confidência, acariciando os cabelos da pequena. O saco de balas ainda estava pela metade. As duas agradeceram a sopa, levantaram e saíram atrás de um novo transporte. Coloquei na boca uma das balas, pensando em como descrever o episódio sem parecer ficção. Lá ia a esperança...

[Série: reportagens]

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