quinta-feira, 23 de setembro de 2010

À liberdade

 
Era início da primavera, Lisa tinha acabado de completar 15 anos e de presente recebera, não oficialmente, a guarda de Mon, a única irmã. A mãe havia falecido de uma daquelas pragas do século XX e o pai estava perdido em algum campo de concentração. As duas eram judias e alemãs e viviam durante o auge do Nazismo. Possivelmente seriam comunistas se tivessem tido tempo de ler Marx ou Engels.
Lisa sabia que era preciso levar Mon para um lugar seguro. Descobriu um aeroporto clandestino, comprou passagens para os Estados Unidos e contou para a irmã. Aquela solução havia saído cara, todas as economias da família foram gastam com a fuga. Só restava o que comer por poucos dias.
As duas arrumaram as coisas e correram para o aeroporto. Eram diversas pessoas desesperadas para entrar no avião e sentir um pouco de esperança em sobreviver. Judeus não tinham muitas chances naquele cenário, ao menos era essa a informação de circulava nos encontros de jovens que Lisa frequentava.
Durante a espera, um dos operários de voo gritou e mandou que números pares e ímpares se dividissem em duas filas. Lisa era par. Mon era ímpar. As filas foram formadas. Lisa estava assustada, apreensiva e ansiosa. Mais uma vez o operador deu instruções, mas agora era para que a fila par começasse a entrar no avião.
Lisa não poderia partir e deixar Mon sozinha lá fora. Elas trocaram de bilhetes e se abraçaram. A caçula foi andando em direção a porta do avião, sempre olhando para trás com os olhinhos negros assustados, enquanto a irmã esperava angustiada pela hora de reencontrá-la. Todos os pares entraram, agora era a vez de Lisa.
As portas do avião fecharam e carros com sirenes ligadas se aproximaram. Todos corriam desesperados pelo campo. Não havia onde se esconder. Lisa nem teve tempo de se mover, ficou ali parada, vendo o avião decolar, enquanto policiais alemães a prendiam. Ela sentiu medo, mas também alívio por ela e Mon terem trocado de bilhetes. Não poderia cuidar da irmã, provavelmente teria o mesmo fim trágico que o pai. Ela não era boba de acreditar que ele ainda estava vivo, apenas dizia isso para acalmar as saudades que Mon sentia dele. Fora tanta tragédia que a pequena de 12 anos vivera em tão pouco tempo que ela não achava justo confidenciar seus medos ou mesmo suas certezas quanto ao paradeiro do pai.
Lisa fora mandada para uma delegacia. Ficou na mesma cela que diversas presas políticas, com quem aprendeu, finalmente, o que era marxismo e comunismo. Já era tarde, não podia fazer muita coisa, em poucas semanas seria mandada à câmara de gás. Mas sentia felicidade por dois motivos: Mon estava salva e pela liberdade que adquiriu com o conhecimento. Lisa pensava na caçula com frequência, buscou informações, no entanto o medo de que os nazistas descobrissem o paradeiro da irmã a calou. O que a deixava mais segura era não ter visto naquele tempo de prisão ninguém parecido com os números pares daquele dia do avião. Mon estava nos Estados Unidos, tinha certeza.
Já era o fim de Lisa. Por maldade ou piedade, antes que entrasse na câmara, uma das guardas confessou: "você apenas adiou sua morte, aquele avião foi derrubado por um caça alemão". As lágrimas caíram compulsivas do rosto da menina. Era culpa dela que Mon não conhecesse liberdade, talvez devesse mesmo morrer. Ao menos era o que pensava. Lisa se entregou para reencontra Mon, o pai e a mãe.  

3 comentários:

I Simpósio Paraense de Clínica Ciúrgica do Pará disse...

O texto é excelente. Uma história cativante, que me prendeu do início ao fim, pois mesmo curta, me senti tocada e envolvida com a Lisa e toda a sua história. Parabéns.

Anônimo disse...

AMEEEIII...

Luiza Sobreira disse...

Ameeei,
tô seguindoo!
beijoos!