quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Um dia aí pela vida...

Estava atrasada para uma entrevista de emprego, tinha pouco mais de 30 minutos para chegar ao lugar combinado e agora que estava saindo de casa. Nem era assim tão longe, mas às 10h da manhã certamente teria engarrafamento.  Peguei as chaves de casa, do carro, a bolsa e sai correndo. Voltei para atender, porque tinha esquecido o celular e foi bem na hora que ele tocou. Uma canção velha dos Beatles “If i fell”, era o namorado, eu fui logo atendendo:

- Oi, meu bem. Bonjour, já ligo para você estou muito apressada.

Ele não esperou nem eu terminar e foi dizendo:

- Não posso mais continuar com você. Não precisa mais me ligar.

Não entendi muito bem, só poderia ser uma piadinha. Só bati a porta e fui logo entrando no elevador. Tinha um senhor de uns 60 anos descendo também. Demorei uns 2 segundos para desejar bom dia, porque minha cabeça fazia os cálculos de quanto tempo tinha para dirigir: seriam 24 minutos, pois ainda desceria sete andares até o subsolo, entraria no carro, ligaria o som, síria da garagem e enfrentaria toda aquela loucura matinal de São Paulo. Aí o senhor me disse:

- Bom dia, moça. Tudo bem? 

Claro que ele disse isso por educação, ele não queria mesmo saber como eu estava, mas eu desembestei a dizer, como se ele pudesse resolver qualquer coisa ou fosse culpado pelos meus problemas:

- Não, não está tudo bem. Sabe o porquê? O meu despertador não funcionou, eu acordei atrasada para uma entrevista de emprego que eu passei a minha vida inteira batalhando para conseguir. Não consegui tomar um banho quente descente, não consegui me olhar no espelho para saber se essa é a roupa mais adequada ao meu estado de espírito hoje, muito menos passar qualquer maquiagem. E mais... meu namorado, ou ex sei lá, acabou de me ligar para dizer que não quer mais ficar comigo. Eu deveria estar demonstrando que estou desesperada com tudo isso, deveria estar chorando, gritando, trancada num quarto, mas eu tenho problemas para chorar. Fico profundamente triste e ainda sim não consigo colocar nenhuma gotinha de lágrima para fora. E você ainda quer saber se está tudo bem?

O senhor me olhava assustado sem emitir qualquer som. O rosto dele dizia que eu tinha ultrapassado qualquer limite de boa vizinhança. Também, eu falei aos berros naquela quinta-feira mais do que a soma de todos os bom-dias ditos em duas décadas morando naquele prédio. Ele estava estático, perplexo, como se tivesse visto uma assombração e não pudesse sair dali correndo. Na hora que o elevador chegou à garagem eu nem sequer olhei para trás, sai acelerada e o senhor ficou lá parado, esperando a porta fechar.
Cheguei ao carro, abri a porta, sentei, respirei fundo e comecei a chorar. Não era por culpa de ninguém que tudo na minha vida começava a dar errado. Eu me distrai. Bati a chave e já ia sair quando alguém deu três pancadas no vidro do carro, tomei um susto. Mas não reclamei.  Era aquele senhor que escutou todos os meus gritos no elevador. Ele estendeu a mão e me mostrou o meu celular e disse:

- Moça, você anda atrás de qualquer coisa, menos de felicidade. Não vá para essa entrevista, faça uma coisa que lhe faça sorrir.

Eu tive vontade de gritar mais uma vez e contar por tudo que eu havia passado para conquistar um dia conseguir essa entrevista e não ir significava esquecer todo o meu passado, todas as dificuldades e sonhos que eu tinha quando criança. Eu só respondi:

- Obrigada pelo celular, senhor.

E arranquei com o carro. Enquanto o portão da garagem abria, olhei pelo retrovisor e vi que o senhor andava com muita dificuldade para chegar até o elevador novamente. E isso fez meu coração acordar. Ele parou a vida dele, saiu da rotina só para me dizer que eu precisava ser feliz, se eu não buscasse ninguém faria por mim.
Dei a ré no carro. Estacionei, gritei para que ele segurasse o elevador, subi um andar em silêncio e saí a pé do meu prédio, para tomar um ar e um sorvete. Sozinha, sentada num banco do Ibirapuera. 

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