quarta-feira, 5 de maio de 2010

Miroir


Querido, preciso urgentemente conversar contigo. As cartas devem ter extraviado, o garoto de recados era mudo e o público esqueceu meu depoimento, assim que terminei. Não houve resposta tua à minha procura. Não precisa se justificar, apenas escuta o que eu tenho para dizer. E antes que penses que será um monólogo, vou logo avisando, aceito intervenções, mas só as monossilábicas, que não me tirem do foco. Não atira em mim esse olhar assustado, como se eu não soubesse que sou bavarde, esqueço do mundo nas minhas opiniões. Eu sei, tantas vezes reclamaste desse meu defeito quase "imutável". Mas tenta prestar atenção, dessa vez é importante. Não, não é isso. Claro que das outras vezes também foi importante. É que agora me restam poucos minutos senão acaba a coragem. Calma! Deixa-me terminar, aí tu dizes o que achas. Descruza os braços, meu bem, a vovó sempre diz que isso impede nossa felicidade. Vamos, descruza!? Já estás entediado de me assistir tentar falar, não é? Eu sei. É que estou nervosa. Minhas mãos estão geladas. Sentiu?!! Palavras consistentes não conseguem sair daqui. Quer dizer: CON-SIS-TEN-TES. Tá, essa sai. Mas enunciado com significado que é bom nada, nem mesmo metafórico. Para! Não precisa ficar nesse silêncio absurdo. Vai! Fala alguma coisa? Pergunta. Briga. Qualquer coisa. Mas fala! É eu sei. Era eu quem queria falar, mas acho que perdi a coragem. Não precisa revirar os olhos, eu vou dizer. Tá! Vamos lá...
Sabe o que é querido...

A campainha tocou. O espelho que antes refletia ele, agora mostrava a maquiagem borrada e algumas lágrimas.



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